Direito Penal

I - Introdução e Conceitos de Crime

Crime, culpabilidade, punibilidade, sujeito ativo e passivo, capacidade, crimes comuns, especiais, próprios, de mão própria, comissivos, omissivos, instantâneos, permanentes, condicionados, incondicionados, delito putativo, flagrante e mais. 

Delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse penalmente protegido, constituída de determinados elementos e eventualmente integrada por certas condições ou acompanhada de determinadas circunstâncias previstas em lei.

Crime é um fato típico e antijurídico; a culpabilidade constitui pressuposto da pena.

Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto em lei penal como infração.

Antijuricidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico; a conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita.

Culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico; reprovabilidade que vem recair sobre o agente, porque a ele cumpria conformar a sua conduta com o mandamento do ordenamento jurídico, porque tinha a possibilidade de fazê-lo e não o fez, revelando no fato de não o ter feito uma vontade contrária àquela obrigação.

A punibilidade é entendida como aplicabilidade da pena, é uma conseqüência jurídica do crime e não o seu elemento constitutivo; a pena não é um momento precursor do iter criminis, mas o efeito jurídico do comportamento típico e ilícito, sendo culpado o sujeito.

Pressupostos do crime são circunstâncias jurídicas anteriores à execução do fato, positivas ou negativas, a cuja existência ou inexistência é condicionada a configuração do título delitivo de que se trata; de modo que a falta desses antecedentes opera a trasladação do fato para outra figura delitiva.

Pressupostos do fato são elementos jurídicos ou materiais anteriores à execução do fato, sem os quais a conduta prevista pela lei não constitui crime; sem eles o fato não é punível a qualquer título.

Sujeito ativo do crime é quem pratica o fato descrito na norma penal incriminadora; só o homem possui a capacidade para delinqüir.

Capacidade penal é o conjunto das condições exigidas para que um sujeito possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo de Direito Penal.

A incapacidade penal ocorre nos casos em que não há qualidade de pessoa humana viva e quando a lei penal não se aplique a determinada classe de pessoas.

Sujeito passivo do crime é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime.

Objeto do delito é aquilo contra que se dirige a conduta humana que o constitui; para que seja determinado, é necessário que se verifique o que o comportamento humano visa; objeto jurídico do crime e o bem ou interesse que a norma penal tutela; objeto material é a pessoa ou coisa sobre que recai a conduta do sujeito ativo.

Título do delito é a denominação jurídica do crime (nomem juris), que pressupõe todos os seus elementos; o título pode ser: genérico, quando a incriminação se refere a um gênero de fatos, os quais recebem títulos particulares.

Os crimes comuns são os descritos no Direito Penal comum; os especiais são definidos no Direito Penal especial.

Crimes comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoas. Já o crime próprio é o que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal.

Crimes de mão própria ou de atuação pessoal são os que podem ser cometidos pelo sujeito em pessoa.

Crimes de dano são os que se só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico.

Crimes de perigo: são os que se consumam tão-só com a possibilidade do dano. O perigo pode ser:

a) presumido (é o considerado pela lei em face de determinado comportamento positivo ou negativo; é a lei que o presume juris et de jure) ou concreto (é o que precisa ser provado; precisa ser investigado e comprovado);

b) individual (é o que expõe ao risco de dano o interesse de uma só pessoa ou de um limitado número de pessoas) ou comum (coletivo) (número indeterminado de pessoas). 

Distinguimos os crimes formais dos de mera conduta; estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção; no crime de mera conduta o legislador só descreve o comportamento do agente; no crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não se exige a sua produção para a consumação. No crime material o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação.

Crimes comissivos são os praticados mediante ação; o sujeito faz alguma coisa; dividem-se em comissivos propriamente ditos ou comissivos por omissão.

Crimes omissivos são os praticados mediante inação; o sujeito deixa de fazer alguma coisa; podem ser:

a) omissivos próprios: são os que se perfazem com a simples abstenção da realização de um ato, independentemente de um resultado posterior;

b) omissivos impróprios: são aqueles em que o sujeito, mediante uma omissão, permite a produção de um resultado posterior, que os condiciona;

c) de conduta mista: são os omissivos próprios que possuem fase inicial positiva; há uma ação inicial e uma omissão final.

Crimes instantâneos são os que se completam num só momento; a consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal.

Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo; o momento consumativo se protrai no tempo. Se divide em necessariamente permante e eventualmente permantente.

Crimes instantâneos de efeitos permanentes são os crime em que a permanência dos efeitos não depende do agente. São crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências.

Diz-se que há crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro.

Crimes condicionados são os que têm a punibilidade condicionada a um fato exterior e posterior à consumação (condição objetiva da punibilidade). Incondicionados os que não subordinam a punibilidade a tais fatos.

Crime simples é o que apresenta tipo penal único; delito complexo é a fusão de dois ou mais tipos penais; pode apresentar-se sob duas formas:

a) complexo em sentido lato (amplo): quando um crime, em todas ou algumas das hipóteses contempladas na norma incrinadora, contém em si outro delito menos grave, necessariamente; não se condiciona à presença de dois ou mais delitos; basta um a que se acrescentam elementos típicos que, isoladamente, configuram indiferente penal; neste caso, o delito de maior gravidade absorve o de menor intensidade penal;

b) em sentido estrito: é formado da reunião de dois ou mais tipos penais; o legislador apanhaa definição legal de crimes e as reúne, formando uma terceira unidade delituosa (subsidiariedade implícita).

Crimes progressivos ocorrem quando o sujeito, para alcançar a produção de um resultado mais grave, passa por outro menos grave; o evento menos grave é absorvido pelo de maior gravidade.

O delito putativo ocorre quando o agente considera erroneamente que a conduta realizada por ele constitui crime, quando na verdade, é um fato atípico; só existe na imaginação do sujeito.

Delito putativo por erro de proibição ocorre quando o agente supões violar uma norma penal, que na verdade não existe; falta tipicidade à sua conduta, pois o fato não é considerado crime.

Há delito putativo por erro de tipo quando a errônea suposição do agente não recai sobre a norma, mas sobre os elementos do crime.

O delito putativo por obra de agente provocador (crime de flagrante provocado) ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime, ao mesmo tempo que toma providências para que o mesmo não se consuma.

Crime de flagrantes esperado ocorre quando, por exemplo, o indivíduo sabe que vai ser vítima de um delito e avisa a Polícia, que põe seus agentes de sentinela, os quais apanham o autor no momento da prática ilícita; não se trata de crime putativo, pois não há provocação.

Diz-se o crime consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; é também chamado crime perfeito; diz-se tentado quando, iniciada a execução, não se consuma, por circunstâncias alheias à vontade do agente; é também denominado crime imperfeito.

Crime unissubsistente é o que se realiza com só um ato; plurissubsistente é o que se perfaz com vários atos; o primeiro não admite tentativa, ao contrário do segundo.

Crime exaurido é aquele que depois de consumado atinge suas últimas conseqüências; estas podem constituir um indiferente penal ou condição de maior punibilidade.

Diz-se crime doloso quando o sujeito quer ou assume o risco de produzir o resultado; é culposo quando o sujeito dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia; preterdoloso é aquele em que a ação causa um resultado mais grave que o pretendido pelo agente; o sujeito quer um minus e a sua conduta produz um majus, de forma que se conjugam a ação (antecedente) e a culpa no resultado (conseqüente).

Crime habitual é a reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida. Quando o agente pratica ações com intenção de lucro, fala-se em crime profissional.

Crimes hediondos são delitos repugnantes, sórdidos, decorrentes de condutas que, pela forma de execução ou pela gravidade objetiva dos resultados, causam intensa repulsa (Lei nº 8072/90).

Para a integração do fato típico concorre, primeiramente, uma ação ou omissão, uma vez que, consistindo na violação de um preceito legal, supõe um comportamento humano; a ação humana, porém, não é suficiente para compor o primeiro requisito do crime; é necessário um resultado; todavia, entra a conduta e o resultado se exige uma relação de causalidade; finalizando, para que um fato seja típico, é necessário que os elementos acima expostos estejam descritos como crime.

Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade; seus elementos são: - um ato de vontade dirigido a uma finalidade; - atuação positiva ou negativa dessa vontade no mundo exterior; a vontade abrange o objetivo pretendido pelo sujeito, os meios usados na execução e as conseqüências secundárias da prática.

Resultado é a modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário.

Relação de causalidade é o nexo de causalidade entre o comportamento humano e a modificação do mundo exterior; cuida-se de estabelecer quando o resultado é imputável ao sujeito, sem atinência à ilicitude do fato ou à reprovação social que ele mereça.

A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou; junto a conduta do sujeito podem ocorrer outras condutas, condições ou circunstâncias que interfiram no processo causal (causa); a causa pode ser preexistente, concomintante ou superveniente, relativa ou absolutamente independente do comportamento do agente. 

Exemplos:

a) causa preexistente absolutamente independente da conduta do sujeito: A desfere um tiro de revólver em B, que vem a falecer pouco depois, não sem conseqüência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno;

b) causa concomitante absolutamente independente: A fere B no mesmo momento em que este vem a falecer exclusivamente por força de um colapso cardíaco;

c) causa superveniente absolutamente independente: A ministra alimento na alimentação de B que, quando está tomando a refeição, vem a falecer em conseqüência de um desabamento;

Obs: a causa preexistente, concomitante ou superveniente, que por si só, produz o resultado, sendo absolutamente independente, não pode ser imputada ao sujeito.

d) causa preexistente relativamente independente em relação à conduta do agente: A golpeia B, hemofílico, que vem a falecer em conseqüência dos ferimentos;

e) causa concomitante relativamente independente: A desfecha um tiro em B, no exato instante em que está sofrendo um colapso cardíaco, provando-se que a lesão contribuiu para a eclosão do êxito letal;

Obs: nas letras d e e o resultado é imputável.

f) causa superveniente relativamente independente: nem trecho de rua, um ônibus que o sujeito dirige, colide com um poste que sustenta fios elétricos, um dos quais, caindo ao chão, atinge um passageiro ileso e já fora do veículo, provocando a sua morte.

Obs: na letra f o resultado não é imputável.

Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora.

Tipo é o conjunto dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal; varia segundo o crime considerado. 

II - Crime Consumado 

Conceito, crime exaurido, consumação nos crimes materiais, culposos, de mera conduta, formais, de perigo, permanentes, omissivos próprios e impróprios, iter criminis. 

Determina o artigo 14, I, do Código Penal, que o crime se diz consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; a noção da consumação expressa total conformidade do fato praticado pelo agente com a hipótese abstrata descrita pela norma penal incriminadora.

O crime consumado não se confunde com o exaurido; o iter criminis se encerra com a consumação.

Nos crimes materias, de ação e resultado, o momento consumativo é o da produção deste; assim, consuma-se o homicídio com a morte da vítima.

Nos crimes culposos a consumação ocorre com a produção do resultado; assim, no homicídio culposo, o momento consumativo é aquele em que se verifica a morte da vítima.

Nos crimes de mera conduta a consumação se dá com a simples ação; na violação de domicílio, uma das formas de consumação é a simples entrada.

Em se tratando de crimes formais, a consumação ocorre com a conduta típica imediatamente anterior à fase do evento, independentemente da produção do resultado descrito no tipo.

Os crimes de perigo consumam-se no momento em que o sujeito passivo, em face da conduta, é exposto ao perigo de dano.

A consumação nos crimes permanentes se protrai no tempo desde o instante em que se reúnem os seus elementos até que cesse o comportamento do agente.

O crime omissivo próprio, por se tratar de crime que se perfaz com o simples comportamento negativo (ou ação diversa), não se condicionando à produção de um resultado ulterior. O momento consumativo ocorre no instante da conduta.

No crime omissivo impróprio a consumação se verifica com a produção do resultado, visto que a simples conduta negativa não o perfaz, exigindo-se um evento naturalístico posterior.


Iter Criminis é o conjunto das fases pelas quais passa o delito; compõe-se das seguintes etapas:

a) cogitação;
b) atos preparatórios;
c) execução;
d) consumação. 

III - Crime Preterdoloso 

Conceito, nexo objetivo e normativo. 

Crime preterdoloso é aquele em que a conduta produz em resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito; o agente quer um minus e se comportamente causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (conseqüente).

No crime preterdoloso não é suficiente a existência de um nexo de causalidade objetiva entre a conduta antecedente e o resultado agravador; assim, a mera relação entre a conduta e o resultado, embora necessária, não é suficiente, uma vez que se exige a imputatio juris (relação de causalidade subjetiva-normativa); é necessário que haja um liame normativo entre o sujeito que pratica o primum delictum e o resultado qualificador; este só é imputado ao sujeito quano previsível (culpa); no caso de lesão corporal seguida de morte, a lesão corporal é punida à título de dolo; a morte, a título de culpa; o dolo do agente só se estende a lesão corporal. 

IV - Crime Tentado 

Conceito, tentativa perfeita e imperfeita, infrações que não admitem a tentativa, aplicação da pena, desistência voluntária, arrependimento eficaz, crime impossível, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. 

Tentativa é a execução iniciada de um crime, que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente; seus elementos são o início da execução e a não-consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Quando o processo executório é interrompido por circunstâncias alheias à vontade do agente, fala-se em tentativa imperfeita ou tentativa propriamente dita; quando a fase de execução é integralmente realizada pelo agente, mas o resultado não se verifica por circunstâncias alheias à sua vontade, diz-se que há tentativa perfeita ou crime falho.

São infrações que não admitem tentativa:

a) os crimes culposos;

b) os preterdolosos;

c) as contravenções;

d) os omissivos próprios;

e) os unissubsistentes;

f) os crimes habituais;

g) os crime que a lei pune somente quando ocorre o resultado, como a participação em suicídio;

h) os permanentes de forma exclusivamente omissiva;

i) os crimes de atentado.

No crime continuado só é admissível a tentativa dos crimes que o compõe; o todo não a admite.

Em se tratando de crime complexo, a tentativa ocorre com o começo de execução do delito que inicia a formação da figura típica ou com a realização de um dos crimes que o integram.

Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços; a diminuição de uma a dois terços não decorre da culpabilidade do agente, mas da própria gravidade do fato constitutivo da tentativa; quanto mais o sujeito se aproxima da consumação, menor deve ser a diminuição da pena (1/3); quando menos ele se aproxima da consumação, maior deve ser a atenuação (2/3).

A desistência voluntária consiste numa abstenção de atividade: o sujeito cessa o seu comportamento delituoso; assim, só ocorre antes de o agente esgotar o processo executivo.

Arrependimento eficaz tem lugar quando o agente, tendo já ultimado o processo de execução do crime, desenvolve nova atividade impedindo a produção do resultado.

Quanto ao arrependimento posterior, nos termos do artigo 16 do Código Penal, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Crime impossível é também chamado de quase-crime; tem disciplina jurídica contida no artigo 17 do Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”; há dois casos de crime impossível:

a) por ineficácia absoluta do meio;

b) por impropriedade absoluta do objeto.

Dá-se o primeiro quando o meio empregado pelo agente, pela sua própria natureza, é absolutamente incapaz de produzir o evento; ex.: o agente, pretendendo matar a vítima mediante propinação de veneno, ministra açúcar em sua alimentação, supondo-o arsênico; dá-se o segundo caso quando inexiste o objeto material sobre o qual deveria recair a conduta, ou quando, pela situação ou condição, torna impossível a produção do resultado visado pelo agente; nos dois casos não há tentativa por ausência de tipicidade; para que ocorra o crime impossível, é preciso que a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto sejam absolutas; se forem relativas, haverá tentativa.

Antijuricidade é a contradição do fato, eventualmente adequado ao modelo legal, com a ordem jurídica, constituindo lesão de um interesse protegido.

A antijuricidade pode ser afastada por determinadas causas, as determinadas causas de exclusão de antijuricidade; quando isso ocorre, o fato permanece típico, mas não há crime, excluindo-se a ilicitude, e sendo ela requisito do crime, fica excluído o próprio delito; em conseqüência, o sujeito deve ser absolvido; são causas de exclusão de antijuricidade, previstas no artigo 23 do Código Penal: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento de dever legal; exercício regular de direito.

Estado de necessidade é uma situação de perigo atual de interesses protegidos pelo direito, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem; perigo atual é o presente, que está acontecendo; iminente é o prestes a desencadear-se.

Legítima defesa, nos termos do artigo 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Quanto ao estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito, determina o artigo 23, III, do Código Penal, que não há crime quando o sujeito pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal; é causa de exclusão da antijuricidade; a excludente só ocorre quando há um dever imposto pelo direito objetivo; o artigo 23, III, parte final, determina que não há crime quando o agente pratica o fato no exercício regular de direito; desde que a conduta se enquadre no exercício de um direito, embora típica, não apresenta o caráter de antijurídica. 

V - Crime Doloso 

Conceito, elementos do dolo, dolo direito e indireto, dolo de dano e de perigo, dolo genérico e específico. 

Dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo; constitui elemento subjetivo do tipo (implícito).

Presentes os requisitos da consciência e da vontade, o dolo possui os seguintes elementos:

a) consciência da conduta e do resultado;

b) consciência da relação causal objetiva entre a conduta e o resultado;

c) vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.

No dolo direto, o sujeito visa a certo e determinado resultado, ex: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção de matá-la; se projeta de forma direta no resultado morte; há dolo indireto quando a vontade do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado; possui duas formas:

a) dolo alternativo: quando a vontade do sujeito se dirige a um outro resultado; ex: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção alternativa: ferir ou matar;

b) dolo eventual: ocorre quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite a aceita o risco de produzi-lo.

No dolo de dano o sujeito quer o dano ou assume o risco de produzi-lo (dolo direto ou eventual); no de perigo o agente não quer o dano nem assume o risco de produzi-lo, desejando ou assumindo o risco de produzir um resultado de perigo (o perigo constitui resultado).

Dolo genérico é a vontade de realizar fato descrito na norma penal incriminadora; dolo específico é a vontade de praticar o fato e produzir um fim especial. 

VI - Concurso de Agentes

Conceito, concurso necessário e eventual, autor, co-autoria, participação, partícipel, requisitos do concurso de agentes, cooperação, autoria incerta, conivência, comunicabilidade. 

Ocorre o concurso de agentes quando várias pessoas concorrem para a realização de uma infração penal.

Os crimes podem ser monossubjetivos ou plurissubjetivos; os primeiros são aqueles que podem ser cometidos por um só sujeito; os segundos são os que exigem pluralidade de agentes; existem 2 espécies de concurso: necessário e eventual; cuida-se de concurso necessário no tocante aos crimes plurissubjetivos; fala-se em concurso eventual quando, podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é cometido por várias; no primeiro, o concurso de agentes é descrito pelo preceito primário da norma penal incriminadora, enquanto no segundo não existe essa previsão; quando a pluralidade de agentes é elemento do tipo, cada concorrente responde pelo crime, mas este só se integra quando os outros contribuem para a formação da figura típica; o princípio segundo o qual quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, somente é aplicável aos casos de concurso eventual, com exclusão do concurso necessário.

Autor é o sujeito que executa a conduta expressa pelo verbo típico da figura delitiva; é o que mata, subtrai, seqüestra, etc., praticando o núcleo do tipo; é também autor quem realiza o fato por intermédio de outrem (autor mediato).

Dá-se co-autoria quando várias pessoas realizam as características do tipo; há diversos executores do tipo penal; por isso não há necessidade de aplicação do artigo 29, caput, 1ª parte, do Código Penal.

A participação dá-se quando o sujeito, não praticando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua realização; ele não realiza conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas realiza uma atividade que contribui para a formação do delito.

Partícipe é o agente que acede sua conduta à realização do crime, praticando atos diversos dos do autor.

Para que haja participação, são necessários os seguintes requisitos:

a) pluralidade de condutas;

b) relevância causal de cada uma;

c) liame subjetivo;

d) identificação da infração para todos os participantes.

Diz o § 2º do artigo 29 do Código Penal que, se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave; esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe.

O artigo 31 determina que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado; assim, são impuníveis as formas de concurso quando o delito não chega à fase de execução.

A participação pode ocorrer em qualquer das fases do iter criminis; considerada isoladamente a conduta do executor, pode acontecer inclusive antes da cogitação: caso de determinação ou induzimento; uma das conseqüências de configurar a participação partindo da relação de causalidade é a exclusão de qualquer conduta que não realize ou contribua para a produção do crime; em face disso, o fato constitui a participação deve ser cometido antes ou durante a realização do delito; se posterior, não é participação no crime anterior, mas sim delito autônomo.

Autoria incerta dá-se quando, na autoria colateral, não se apura a quem atribuir a produção do evento; a autoria é conhecida; a incerteza recai sobre quem, dentre os realizadores dos vários comportamentos, produziu o resultado.

Participação mediante omissão ocorre quando existe a obrigação de impedir o delito, que o omitente permite ou procede de forma que ele se realize; existe nela um não fazer correlatado a uma obrigação de fazer impeditiva do crime, obrigação esta ligada às formas das quais advém o dever jurídico de obstar a prática do fato.

A conivência consiste em omitir voluntariamente o fato impeditivo da prática do crime, ou a informação à autoridade pública, ou retirar-se do local onde o delito está sendo cometido, ausente o dever jurídico de agir; pode-se falar em conivência posterior à prática do crime, caso em que o sujeito, tomando conhecimento de um delito, não dá a notitia criminis à autoridade pública. 

Segundo dispõe o artigo 30, não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares ao crime; circunstâncias são dados acessórios que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena; não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade; condições pessoais são as relações do sujeito com o mundo exterior e com outras coisas, como as de estado civil, de parentesco, de profissão ou emprego; elementares são os elementos típicos do crime, dados que integram a definição da infração penal; observando que a participação de cada concorrente adere à conduta e não à pessoa dos outros participantes, estabelecem-se as seguintes regras:

1ª) não se comunicam as condições ou circunstâncias de caráter pessoal;

2ª) a circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipe se não ingressou na esfera de seu conhecimento;

3ª) as elementares comunicam-se entre os fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressado na esfera de seu conhecimento.

Assim, quando um dado é simplesmente circunstância ou condição do crime, aplicam-se as duas primeiras regras; quando é elementar (elemento específico), aplica-se a última. 

VII - Crime Preterdoloso

Conceito, nexo objetivo e normativo. 

Crime preterdoloso é aquele em que a conduta produz em resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito; o agente quer um minus e se comportamente causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (conseqüente).

No crime preterdoloso não é suficiente a existência de um nexo de causalidade objetiva entre a conduta antecedente e o resultado agravador; assim, a mera relação entre a conduta e o resultado, embora necessária, não é suficiente, uma vez que se exige a imputatio juris (relação de causalidade subjetiva-normativa); é necessário que haja um liame normativo entre o sujeito que pratica o primum delictum e o resultado qualificador; este só é imputado ao sujeito quano previsível (culpa); no caso de lesão corporal seguida de morte, a lesão corporal é punida à título de dolo; a morte, a título de culpa; o dolo do agente só se estende a lesão corporal.

VIII - Erro de Tipo 

Conceito, efeitos, erro de tipo essencial, descriminantes putativas, erro provocado por terceiro, erro acidental, erro sobre objeto e sobre pessoa, erro na execução, resultado diverso do pretendido. 

Erro de Tipo é o que incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora; é o que faz o sujeito supor a ausência de elemento ou circunstância da figura típica incriminadora ou a presença de requisitos da norma permissiva; ex: sujeito dispara um tiro de revólver no que supõe seja uma animal bravio, vindo a matar um homem; o erro de tipo pode ser essencial e acidental.

O erro de tipo exclui sempre o dolo, seja evitável ou inevitável; como o dolo é elemento do tipo, a sua presença exclui a tipicidade do fato doloso, podendo o sujeito responder por crime culposo, desde que seja típica a modalidade culposa.

O erro de tipo essencial ocorre quando a falsa percepção impede o sujeito de compreender a natureza criminosa do fato; recai sobre os elementos ou circunstâncias do tipo penal ou sobre os pressupostos de fato de uma excludente da ilicitude; apresenta-se sobe 2 formas:

a) erro invencível ou escusável (quando não pode ser evitado pela norma diligência);

b) erro vencível ou inescusável (quando pode ser evitado pela diligência ordinária, resultando de imprudêncuia ou negligência.

As descriminantes putativas ocorrem quando o sujeito, levado a erro pelas circunstâncias do caso concreto, supõe agir em face de uma causa excludente de ilicitude; é possível que o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, suponha encontrar-se em face de estado de necessidade, de legítima defesa, de estrito cumprimento do dever legal ou do exercício regular de direito; quando isso ocorre, aplica-se o disposto no artigo 20, § 1º, 1ª parte, do Código Penal, segundo o qual é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situaçã de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima; surgem as denominadas eximentes putativas ou causas putativas de exclusão da antijuricidade.

No caso de erro provocado por terceiro, responde pelo crime o terceiro que determina o erro (artigo 20, § 2º); o erro pode ser espontâneo e provocado; há a forma espontânea quando o sujeito incide em erro sem a participação provocadora de terceiro; existe o erro provocado quando o sujeito a ele é induzido por conduta de terceiro; a provocação poder ser dolosa ou culposa; há provocação dolosa quando o erro é preordenado pelo terceiro, isto é, o terceiro conscientemente induz o sujeito a incidir em erro; o provocador responde pelo crime a título de dolo; existe determinação culposa quando o terceiro age com imprudência, negligência ou imperícia.

Erro acidental é o que não versa sobre os elementos ou circunstâncias do crime, incidindo sobre dados acidentais do delito ou sobre a conduta de sua execução; não impede o sujeito de compreender o caráter ilícito de seu comportamento; o erro acidental não exclui o dolo; são casos de erro acidental: o erro sobre o objeto; sobre pessoa; na execução; resultado diverso do pretendido (aberratio criminis).

Erro sobre objeto (error in objecto) ocorre quando o sujeito supõe que sua conduta recai sobre determinada coisa, sendo que na realidade incide sobre outra; é o caso do sujeito subtrair açúcar supondo tratar-se de farinha.

Erro sobre pessoa (error in persona) ocorre quando há erro de representação, em face do qual o sujeito atinge uma pessoa supondo tratar-se da que pretendia ofender; ele pretende atingir certa pessoa, vindo a ofender outra inocente pensando tratar-se da primeira.

Erro na execução (aberratio ictus) ocorre quando o sujeito, pretendendo atingir uma pessoa, vem a ofender outra; há disparidade entre a relação de causalidade pretendida pelo agente e o nexo causal realmente produzido; ele pretende que em conseqüência de seu comportamento se produza um resultado contra Antônio; realiza a conduta e causa evento contra Pedro.

Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) significa desvio do crime; há erro na execução do tipo; o agente quer atingir um bem jurídico e ofende outro (de espécie diversa).